"Marina Silva
A indagação é justa como as pessoas a expressam: continuarei
ou não no espaço da ação política institucional? Mais justa ainda é a pergunta
oculta: ainda é possível ressignificar a política como mediadora da busca do bem
comum? Sobre isso vale a pena iniciar uma agenda de conversa. Com todos:
lideranças políticas, pessoas de movimentos sociais, juventudes, academia e uma
multidão de amigos e colaboradores da campanha de 2010.
É grave a crise que vivemos no mundo, feita de múltiplas
crises: econômica, social, ambiental, política e de valores (as duas últimas, a
meu ver, estão na base das demais). Está evidente a insustentabilidade da nossa
relação com o si-mesmo, com os outros, com a natureza. Evidente, também, é o
esgotamento da fórmula política, que produz e reproduz os impasses críticos,
produz perplexidade, não gera respostas nem novas perguntas.
No Brasil, repetimos a necessidade de fazer uma reforma
política, mas a única coisa que reformamos é o prazo, sempre adiado e vencido. A
política brasileira permanece estagnada, no conteúdo e na forma como, hoje,
opera a maioria de seus partidos e lideranças. O sintoma da estagnação é a
queixa, repetitiva, paralisante.
A possibilidade de ressignificar a política é uma nova
atitude, que nos leve da gesticulação ao gesto e do gesto ao ato. Uma espécie de
esforço reparador, envolvendo pessoas de diferentes segmentos da sociedade, no
sentido de repatriar os valores, o sonho e a política como arte de realizar o
bem comum, ideais que foram exilados do fazer político pelo excesso de
pragmatismo, de apego ao poder pelo poder.
Nos últimos cem anos, a arte subsistiu, muitas vezes exilada
da política, como o fazer humano capaz de realizar as promessas de mudança e a
ideia de revolução. No outro território desse exílio, a política, sem arte,
deixa de ser política. Vira “arte”, sinônimo de malfeito, sua versão distorcida.
E a sintomática repetição dos malfeitos fazem com que a ideia de bem comum,
originariamente associada à política, torne-se estranha a ela.
Minha agenda de diálogos ganha, inspirada na arte, esse
sentido: inverter essa estranheza da ideia do bem comum, refazer para ela um
novo ninho no ato político. Identifico, em cada brasileiro que tem coragem de
assumir e encarar as crises deste tempo, um novo Marcel Duchamp capaz de
realizar um “ready-made” na cidadania, na vida social, na economia, no
ambiente.
Talvez possamos, como na subversiva arte de Duchamp, fazer
um gesto capaz de transformar o feio e prosaico vaso da legislação eleitoral
numa fonte restauradora de renovação da política. Impossível? Às vezes, o
impossível é a única aspiração que resta a quem é verdadeiramente realista.
Conversemos, pois.
fonte: Folha de S.Paulo"
Vi no Pavablog.
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